Particularmente acredito que o desejo por igualdade e justiça nunca foi tão pulsante no coração do homem quanto nos dias atuais. É claro que, devido às mazelas que desde muito tempo fazem parte da natureza humana (não por vontade divina, mas pela não-adesão do homem às Suas vontades), a opressão e desigualdade têm assolado a humanidade.
Tenho percebido também que as mídias têm alimentado constantemente esta sede de justiça, contudo, de forma radicalista e doentia. Falo isto, porque ontem após assistir uma matéria destes programas de enfoque policial que vão ao ar nos finais de tarde, fiquei meio atônito, e um pouco chateado.
Chateado porque percebo que as pessoas guiadas por sede de justiça, têm se deliciado com o desfecho de alguns acontecimentos que os meios de comunicação vêm nos mostrando. Quer exemplos? A morte daquele jovem homicida autor do massacre das crianças daquela escola de Realengo no Estado do Rio de Janeiro e a morte de Osama Bin Laden pelos Estados Unidos. Com certeza nossos corações foram “confortados”, mesmo que de forma velada.
Como citei no início, ontem em certo programa de jornalismo policial, foi noticiada uma tentativa de assalto em um açougue no estado de São Paulo. Naquele estabelecimento, dois jovens anunciaram um assalto, entretanto, lá estava também, à paisana, uma delegada de polícia. Ela, esperando o momento certo, deu voz de prisão àqueles jovens, que imediatamente revidaram com tiros. Um deles se atracou com ela para tentar desarmá-la e provavelmente tentar matá-la. Ela, entretanto, conseguiu acertá-lo no abdômen e este jovem veio a falecer minutos após. O outro conseguiu fugir sob os tiros que a delegada continuou desferindo contra ele.
O apresentador parabenizou a delegada, com um tom de voz satisfeito e agradecido, pois, aquela mulher evitou um assalto e quem sabe homicídios. De fato foi uma atitude corajosa de uma autoridade policial que ali cumprira seu papel.
Refletindo sobre esta notícia, em um exame de consciência percebi que também a minha “sede de justiça” vem sendo alimentada. Naquele momento meu coração também sentiu certo conforto. E quem não se sentiria assim? Continuei pensando, refletindo e percebi que na verdade, em diversos outros momentos eu mesmo tenho procurado alimentar a minha “sede de justiça”. Muito constrangido, me diagnostiquei um telespectador assíduo da “novela das oito” que está passando atualmente, Insensato Coração. Eu, assim como milhões de outros brasileiros, tenho frequente e curiosamente seguido pela televisão e algumas vezes por internet esta novela, a fim de saber em qual momento o vilão pagará pelas suas ações maléficas. Meu Deus... É o fundo do poço! Nesta minha atitude constatei o seguinte: temos buscado saciar a nossa sede de justiça em fontes barrentas!
De início já faço neste momento o propósito de não assistir essas programações que “saciam” com água barrenta, a minha sede de justiça. Isso não quer dizer que estou me alienando, me distanciando do mundo. Estou a partir de agora renunciando ao sensacionalismo de programas que correm atrás de recordes de “IBOPE”, distorcendo o conceito verdadeiro de justiça e de paz.
Retomo então o título desta reflexão: “Bem - aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”! (Mt 5, 6).
É vontade do próprio Deus que de fato nosso coração se inquiete com tanta violência, injustiça e desigualdade, pois tudo isso contraria o plano de amor que o Senhor tem para a vida de Seus amados. Todavia, isso não pode dar-se da mesma forma com a qual temos buscado fazer a justiça acontecer. Não é pura e simplesmente desejando a punição de criminosos que a justiça e a paz nos serão garantidas. As penalidades precisam sim existir no sentido de coibir atos criminosos e desumanos. Mas, ao mesmo tempo é necessário que se trate o problema na sua raiz. Estamos tratando os sintomas e não a doença que os causa. Já estamos cansados de ouvir, mas, a questão da justiça/segurança pública permeia diversos segmentos da vida humana. Educação, saúde e oportunidades de trabalho são alguns setores cronicamente adoecidos, sobretudo, no nosso país. A dignidade humana deve ser promovida e protegida para assim serem extintos os sintomas que têm mantido o ser humano debilitado em sua saúde social e espiritual.
A chave para esta mudança de mentalidade e de comportamento está contida no Evangelho de Jesus Cristo, narrada em MT 5, 1-10. É necessário que nosso coração e o coração daqueles que nos governam (e que são responsáveis pela promoção do bem comum), sejam mergulhados na mensagem anunciada por Jesus Cristo e que foi perpetuada para nós no evangelho de São Mateus! Bem- aventurados os que têm um coração de pobre, porque deles é o Reino dos céus! Bem- aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia! Bem- aventurados os pacíficos, porque serão chamados filhos de Deus! Não há, portanto, como instaurar a paz no mundo, se o homem em seu coração está sedento da “justiça de sangue”, e não sedento da verdadeira paz.
Sem a pretensão de querer sofisticar demais esta reflexão, nem de adentrar em uma área que não é a minha, lembro-me aqui de Jean-Paul Sartre que, em tom existencialista em face da teoria Marxista, afirma: "A existência precede a essência"; nenhum ser humano nasce pronto, mas o homem é, em sua essência, produto do meio em que vive. Respeitando a opinião dele e também da filosofia que ele representa, apresento uma reflexão cristã, “de trás para frente” desta citação: Antes da existência, precede a essência! O meio pode e deve ser produto da ação do homem! Antes de nascermos, com todo apreço Deus nos teceu em seu coração:
“Fostes vós que plasmastes as entranhas de meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe. Sede bendito por me haverdes feito de modo tão maravilhoso. Pelas vossas obras tão extraordinárias, conheceis até o fundo a minha alma. Nada de minha substância vos é oculto, quando fui formado ocultamente, quando fui tecido nas entranhas subterrâneas. Cada uma de minhas ações vossos olhos viram, e todas elas foram escritas em vosso livro; cada dia de minha vida foi prefixado, desde antes que um só deles existisse”(Sl 138, 13-16)
É inconcebível, portanto, aos olhos da fé, imaginar que as circunstâncias sejam tão determinantes assim de forma que superem a onipotência de Deus. Ora, concordando em parte com Sartre, é fato que nossa omissão tem sim contribuído pra que o “meio” deforme a criação do Pai.
Manifestemo-nos então, como filhos de Deus! Sejamos o “sal da terra” e a “luz do mundo” e contribuamos para que seja criado um meio no qual sejam produzidos homens com corações plenos de bem-aventuranças, para que assim a proposição de Jean-Paul Sartre seja plenificada. Pois somente assim: “A bondade e a fidelidade outra vez se irão unir, a justiça e a paz de novo se darão as mãos”(Sl 84/85,11).
Um fraternal abraço!
Bruno Luiz
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